Depoimentos de quem já participou

Grupo Beija Flor


Vi um Beija-Flor

Muitas vezes em nossas vidas passamos por lutas tão incompreensíveis, como se simplesmente não conseguíssemos mais prosseguir, como se nos faltassem forças para enfrentar um novo dia. Já viveu dias assim???

Meu nome é Marisa Mello Martins, trinta e oito anos, pedagoga, formada pela USP - Universidade de São Paulo. Tive a graça de ser mãe de trinta filhos, vinte e sete adotivos. 

Tive a graça também de ser mãe de um trabalho maravilhoso de assistência às crianças e aos adolescentes vítimas de violências e de maus-tratos com alcance nacional. Realizo este trabalho por meio deste meu outro filho - a ONG (Organização Não Governamental) Instituição Filantrópica e Educacional Parábola.

Tudo isto deveria me dar a conquista de uma fé inabalável, mas não foi exatamente isto que aconteceu, embora inquestionavelmente minha fé em Deus seja a maior força que mantém minha vida e meu trabalho. 

Estávamos na páscoa de 1999 e as minhas forças haviam se esgotado.

Como poderia? Eu não conseguia mais ouvir pedidos de socorro, denúncias de crianças que estavam sofrendo e que muitas vezes, simplesmente, não conseguia impedir.

Naquele tempo recebíamos constantemente solicitações de socorro de crianças que eram mantidas prisioneiras em fazendas e em garimpos na região Norte e Nordeste do país e ainda sendo exploradas sexualmente.

Em 1997, havíamos escrito e realizado um programa infantil de nome Vila Esperança e em 1998 havíamos conquistado o prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como melhor programa infantil da TV brasileira! Até a UNIFEM (Órgão das Nações Unidas para Mulher) me reconhecera como uma entre as dez personalidades em nosso país.

Vivíamos na mídia, pessoas famosas falavam de nós, mas, em mim, faltava a força para continuar vivendo.

Embora tudo aquilo fosse maravilhoso para a maioria das pessoas, eu vivia uma vida dupla onde ao mesmo tempo convivia com êxitos e indecisões, simultaneamente recebia elogios e era jurada de morte pelo trabalho social que realizava lutando contra o tráfico, a violência e mais e mais pedidos de socorro que aconteciam sem que tivéssemos forças para brecar tudo aquilo. 

Por mais que coisas acontecessem em minha vida, parecia que muito mais existia para se realizar e quanto mais corria, mais visualizava que a estrada não tinha fim. Eu pararia no caminho e alguém teria de prosseguir fazendo meu trabalho. 

O dia seguinte era cada vez mais pesado para mim.

A pior coisa que existe em um trabalho em prol de nosso próximo é a solidão. Solidão que sentimos estando no meio de um monte de gente!

Sentia como se todos precisassem de mim, como poderia demonstrar fragilidade para eles, em quem poderia confiar? Com certeza em Deus! 

Desgastei-me ao ponto de não conseguir trazer na mente o que pudesse me fazer ter esperança e quando a esperança nos falta, o coração adoece.

Neste momento de minha vida conheci, um pequeno grupo composto de pessoas de boa-vontade de nome Beija-Flor. 

Estas pessoas foram os instrumentos de Deus em minha vida para que eu continuasse, prosseguisse, e que não desistisse de tudo, inclusive de mim mesma. 

Eles foram as mãos que me seguraram no momento que eu já havia desistido e no caminho que não tinha mais força para andar, me seguraram no colo e me carregaram. 

Fizeram-me compreender que muitas vezes eu poderia ter sido usada por Deus para cuidar de vidas e que agora Deus também desejava cuidar de mim.

O Grupo Beija-Flor vinha em casa para visitar as crianças, fazer atividades com elas, mas não era difícil enxergar que estavam ali para cuidar de mim também!

Sentavam-se ao meu redor e simplesmente me ouviam, me ouviam e me ouviam novamente.

Quando eu chorava, eles choravam também e quando eu sorria, riam comigo.

Logo me senti fortalecida, poderia começar a andar sozinha novamente. Em meu coração sempre vinha a incerteza de que se me deixariam novamente sozinha, se teria de enfrentar as lutas, as mesmas lutas de antes sem ter com quem dividir neste mundo. Mas pensa que me deixaram?

Não!

Como poderiam? Já tínhamos aprendido a amar uns aos outros, com um amor tão verdadeiro que tudo sofre, tudo crê, tudo suporta e jamais se acaba.

Não ganhei amigos no Grupo Beija-Flor, mas irmãos, pessoas que estão dispostas a dedicar-se por mim, custe o que custar, e eu por elas também.

Um dia, uma pessoa que não me via há muito tempo encontrou-me em um evento onde eu era a palestrante. A pessoa se dirigiu a mim e foi logo dizendo:

- Marisa, como você está jovem e disposta com este monte de filhos! Sempre sorrindo, parece uma menina... Por um acaso você viu um passarinho amarelo? 

Estava junto com meu esposo, apertei a mão dele, sorri novamente para a pessoa e respondi:
- Não, eu não vi um passarinho amarelo... Vi um Beija-Flor!

Completei, compartilhando a experiência que acabo narrar.

Sua vida tem muito poder para transformar outras vidas. Você pode não ser um passarinho amarelo, mas pode ser em muitas vidas um pequeno Beija-Flor!

* * *

IRMÃOS ESPECIAIS

A Instituição Filantrópica e Educacional Parábola desde 1990atua na assistência à criança e ao adolescente. Vimos tudo que poderia imaginar neste mundo e o que não poderíamos imaginar que um ser humano fosse capaz de fazer com outro seu igual.

Conhecemos crianças que haviam sofrido violências de seus próprios pais a ponto de serem obrigadas a realizar dezenas de cirurgias para reconstituição. Vimos crianças que eram mães aos nove anos, vítimas de abuso sexual.

Fizemos flagrantes, denunciamos tráfico e, por meio de nosso site chegamos a receber mais de duas mil denúncias em um único ano.

Mas aquelas crianças para nós eram muito, muito especiais!

Eram portadoras de um tipo de deficiência genética que fazia com que a queratina fosse produzida em grande quantidade. A conseqüência disso é que viviam com profundas feridas.

As mãos e os pés já estavam sendo encapsulados pela pele e a dor daquelas crianças, com oito e dez anos, era simplesmente insuportável. 

Devido à severidade e a gravidade dessa deficiência, as crianças amadureceram de uma maneira totalmente fora do comum, jamais poderiam correr, saltar, estudar com outras crianças, um simples abraço poderia dilacerar sua frágil pele.

Eram irmãos e nos víamos totalmente imobilizados diante dos grandes desafios que tínhamos pela frente com os dois. 

Não se tratava de cuidar apenas dessas crianças, mas também de seus pais. Eles não compreendiam porque os filhos nasceram desse jeito, a sua falta de compreensão do que realmente acontecera dobrava-nos o trabalho. 

Afinal, de quem era a culpa de terem nascido assim? De ninguém! Mas alguém teria de ensinar isso a eles. 

O custo do atendimento dessas criança seria quase sete vezes mais que o custo de cada atendimento que dávamos às crianças da instituição.

Precisaríamos alugar uma casa só para o atendimento deles, ter uma ambulância, pois sem o transporte adequado, a ida ao hospital simplesmente poderia lhes ferir de uma forma terrível.

Pensávamos na câmara hiperbárica para ajudar na cicatrização das feridas, algumas com quase dois dedos de profundidade. Pensávamos, também no atendimento, na alimentação especial, nas cirurgias para a abertura dos dedinhos... 

Meu Deus! Este atendimento só teria data de inicio e não de conclusão! 

Falei com o Grupo Beija-Flor e quiseram conhecer as crianças. Foi amor recíproco à primeira vista! 

Iniciamos juntos o atendimento das crianças. Em pouco tempo podíamos ver os resultados não somente na vida das crianças, mas na vida da família delas. 

Realmente tivemos de alugar uma casa para o atendimento. Parábola e Beija-Flor andavam juntos conquistando com passinhos de formiga cada item do atendimento, desde as pomadas que mudam de fórmula a cada estação do ano, a roupas de algodão - para que não tivessem problemas com as feridas! 

Tudo isso mantido com a doação de tíquetes de pessoas que abriram mão do valor de algumas refeições por mês para nos ajudar no atendimento desses dois irmãos tão especiais. 

A cada dia percebíamos que a dor doía menos, o irmão menor teve a cirurgia de abertura dos dedos das mãos com grande êxito, a cicatrização foi perfeita. Eles aprenderam com um voluntário a escrever!

Gostaria tanto que pudessem vê-los! Como não posso fazer isso aqui, posso copiar uma cartinha que me escreveram. Não levem em conta os erros de português, é maravilhoso vê-los escrever!

"Tia Marisa "Nóis" recebemos um "monte" de presente de vídeo, de "móvel", de tanta coisa , "mais" o nosso maior presente é "voceis" porque "agente" sabe que gostam "dagente" de verdade . "Amamus voceis".

O que podemos dizer? O que podemos acrescentar?

- Amamos vocês também! 

Marisa
Texto retirado do livro Solidariedade 

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