FOLCLORE DE DEUS

Para Deus, tudo dos homens é o mesmo folclore: o cego Deraldo e Goethe, o inventor da roda e Einstein, Vitalino, de Caruaru, e Rodin, a Saudade de Ouro Preto e a Heróica; Lampião e Napoleão são rimas aos ouvidos de Deus.

O sabugo de milho vira foguete nas mãos do menino, mas o foguete vira sabugo nas mãos transespaciais de Deus.

Para Deus, tudo dos homens é a mesma simplicidade: 

Paulo corre atrás da bola; Eva Curie viu a ave; vovô Freud viu o ovo. 

Deus acha graça em todos os elementos.

Há doenças dispendiosas que se tratam anos a fio em hospitais suntuosos; há homens fortes que (só) carregam nos estádios o secreto câncer de viver; mas para Deus todas as doenças são dores de cabeça.

Para Deus, todos os homens são pobres: mendigos das esquinas de Wall Street, indigentes dos cartéis de aço, flagelados dos subterrâneos petrolíferos; mas Deus prefere os pobres sinceros, e os faz invisíveis.

Deus é o único hipnotizador: crescei e multiplicai-vos. 

E os homens inventam passagens sobre e sob o rio, semânticas, paixões assassinas; de mãos cruzadas o olhos estarrecidos, a gente acorda.

Deus é a moeda clandestina em um país estrangeiro: pobres de nós se confundimos a sua efígie de ouro de lei com o perfil niquelado de César.

Para Deus, todos nós somos loucos metidos em camisas de onze varas: sobre os ombros do paciente ele corteja os graus da certeza neurótica do analista.

O que seguras em tua mão é aquilo que te prende; o que possuis é aquilo que te priva; mas Deus diz: bebe a água sem bebê-la; anda por toda a parte sem ir a parte alguma.

Na semente, Deus é a árvore; na árvore, Deus é a semente.

Onde a palavra começa, a palavra acaba, e aí está Deus.

Para Deus, todos os homens levam nos bolsos objetos escondidos: selos antigos, uma esfera de aço, um anzol enferrujado, um canivete sem folha; por isso é preciso, de pena de nós mesmos, fazer força para não chorar. 

Pois todo menino enterra seu tesouro.

Deus é a luz, e assim a energia é a matéria multiplicada pelo quadrado da velocidade de Deus.

Deus dá nozes a quem tem dentes: ao funâmbulo estende as cordas; o sofrimento, Deus dá a quem tem alma; a alegria, essa Deus a reservou a quem não tem nada.

Deus é o grande madrugador: ele estava de pé entre folhagens portentosas na aurora do mundo; e ele andava em ti enquanto dormias.

Mas Deus é também o grande boêmio: ele passou por tua noite quando bebias teu penúltimo copo de vinho; talvez não o viste, mas todos os teus sentidos se alertaram, e bebeste um gole inquieto e enxugaste o teus lábios com o dorso da mão e sentiste saudade de tua casa.

Deus é a chave de ouro do poema; mas as outras 13 chaves pendem de teu chaveiro; e os metais de tuas chaves abrem aposentos de frustração, onde não te encontras.

Deus é o guardião, a zaga, o meio apoiador, o ponta-de-lança e o entendimento misterioso entre as linhas; o ferrolho não prevalecerá contra ele; por isso as multidões vibram com seu virtuosismo.

Para ele, o homem primitivo será o último homem, e o primeiro homem foi o único sábio. 

Sendo o centro do círculo, todos os pontos que formam o tempo são eqüidistantes de Deus.

Paulo Mendes Campos


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