O HOMEM QUE FALOU COM DEUS 

Era noite sem lua. 

Deitado sobre a relva, mãos sob a cabeça, o Homem contemplou o firmamento cintilante de estrelas. 

Começou a pensar na hipótese de viver somente o lado bom da vida.

Será que seria bom? - pensou - Será que seria? Deu asas à imaginação e terminou adormecendo. Sonhou que estava na presença de Deus. 

Sonho meio atrevido, mas não dependeu de sua vontade. Ele, o Homem, resmungão por natureza, reclamava de tudo e de todos. Até mesmo do Criador. 

Viu-se de repente diante daquele que tudo pode. 

Aproveitou para fazer sua reclamaçãozinha. 

Alegou que já havia sofrido bastante e considerava coberta sua cota de sacrifícios. 

Pedia que dali por diante sua existência fosse constituída somente do lado bom: os prazeres. 

No sonho, Deus o encarou e disse em tom de brincadeira (Deus, às vezes,
brinca com seu filho, o Homem):

Está bem. Vá e viva como pede. E esboçou um sorriso complacente. 

Pela primeira vez na Terra, o Homem teve a vida que pediu a Deus. 

Livrou-se de tudo o que não gostava. 

Seus sentidos foram largamente contemplados: o olfato, a vista, o paladar, o tato e a audição. 

Os instintos se exacerbaram em total plenitude. 

A imaginação deu cambalhotas no espaço e viajou pelo infinito. 

O Homem se viu mergulhado num oceano de prazer e de gozo inimagináveis. 

Saciou-se até a medula! 

Coisa estranha: dentro de algum tempo ele começou a se sentir saturado de tanta felicidade e a não mais se excitar com qualquer tipo de prazer. 

Um jardim florido, que tanto lhe agradava antes, perdeu a graça. 

Um arco-íris ou até mesmo a deslumbrante aurora boreal, não mais o sensibilizavam.

O gorjeio dum passarinho ou os doces acordes da melodia celestial que lhe
chegavam aos ouvidos, nada significavam para ele. 

O Homem estava enfastiado dos gozos da vida. 

Angustiado, embrutecido, entediado e aflito: 

Ainda sonhando, voltou à presença de Deus e implorou de joelhos, compungido,
contrito, que lhe retirasse aquele privilégio.

Queria voltar a viver em plena harmonia dos contrastes: o bem e o mal, o feio e o belo, o claro e o escuro, o prazer e a dor, o riso e o pranto, o fel e o mel, a vida e a morte. 

Deus, então, num gesto a mais de brandura, perdoou-lhe as extravagâncias. 

O Homem despertou feliz, no mesmo lugar sobre a relva. 

Deslumbrou-se com as estrelas que coruscavam lá no céu. 

E, num suspiro, murmurou sorrindo: 

Obrigado, meu Deus

Sinésio P. Cavalcant


 

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