Onde ajudar

Muitas pessoas se sentem frustradas por não participarem de nenhum trabalho voluntário, nenhuma "obra de caridade", como costumam dizer. Parece que não conseguem se engajar em nenhuma das tarefas que aparecem em sua vida.

Começam a participar de um grupo e, de repente, tudo começa a dar errado. Ou desanimam com o trabalho ou não se entendem com o grupo ou sentem uma sensação de não pertencer àquele lugar. Em pouco tempo, já não estão mais participando do trabalho.

Digo isso porque já me encontrei nessa situação muitas vezes. Temos momentos na vida que não conseguimos participar de nenhum desses trabalhos, por mais esforços que façamos. O resultado disso é sempre uma insatisfação muito grande.

Mas atenção, pessoal. Se vocês se sentem assim, aqui vai uma história que poderá fazer com que entendam o porque desses momentos acontecerem na nossa vida.

Morava em Uberaba há um ano. Posso dizer que foi o ano mais feliz da minha vida. Participava de vários trabalhos de caridade. Depois de ter me engajado num grupo espírita maravilhoso, comecei a partilhar de todos os trabalhos sociais deste grupo. Era um dia no Hospital do Câncer, o outro na Creche. Um dia na Sopa e outro na Periferia. Um dia na evangelização, outro nos passes e tratamentos... E assim eu ia.

Uma vez por semana tínhamos reunião com o mentor espiritual da casa para recebermos orientação com relação aos trabalhos. Já percebia há algum tempo que ele sempre dava um jeito de falar sobre a importância da família. Mas, o que me incomodava, é que muitas vezes ele dava a entender que o meu tempo ali estava se esgotando. E, claro, como não queria nem pensar na possibilidade de deixar aquela cidade, fingia que não entendia.

Um dia, numa dessas reuniões, ele começou a comentar o trabalho que fazíamos na periferia, de ajuda àquelas famílias tão carentes. Começou a citar algumas daquelas pessoas que eram ainda mais carentes que as outras. A seguir, sugeriu que cada pessoa ou casal do grupo assumisse a responsabilidade também individual por estas pessoas especiais.

Ele disse que cada pessoa ou casal poderia assumir um afilhado ou afilhada para cuidar um pouco mais de perto. Ajudar um pouco mais. E começou a "distribuir" estes afilhados entre as pessoas ali presentes.

- Por exemplo, o Sr. e a Sra X poderiam ser os padrinhos do Pedrinho (um menino que havia nascido com uma lesão neurológica grave e aos oito anos de idade vivia na cama, todo retorcido). Já o Sr. e Sra. Y poderiam ser os padrinhos daquelas duas velhinhas gêmeas que são cegas. A Fulana poderia ter como afilhada aquela senhora viúva que está muito doente.

E assim foi citando cada pessoa ali presente e apontando um afilhado ou afilhada para ela cuidar. Minha vez não chegava, estava me sentindo incapaz. Pensava que talvez não tivesse capacidade para cuidar de alguém, já que, para mim, ninguém era indicado. Até que ele se virou na minha direção e disse:

- Não, minha filha. Não me esqueci de você. E não penso que você seja incapaz de cuidar de alguém. Sabe, o problema é que muitos de nós já temos nossos afilhados para cuidar. E, muitas vezes, eles já representam uma tarefa bastante difícil para executarmos, que nós não podemos designar mais ninguém para estas pessoas.

Ante meu olhar de incredulidade, já que eu não me lembrava de nenhum afilhado ou afilhada que me houvessem designado, continuou:

- Você não sabe? Mas os seus afilhados são os seus pais... Isso mesmo. Eles são a sua responsabilidade agora. Embora você ainda hesite em assumir. Um dia você vai me entender...

Fiquei bastante frustrada na época. Como poderia ser? Eu nem morava com meus pais. Eu os havia deixado em São Paulo e mudara para Uberaba com meus tios? Porque não poderia assumir uma outra responsabilidade enquanto estava lá?

Afinal, não tinha mesmo intenção de voltar. Poderia assisti-los à distância mesmo. Além disso, eu já não era filha deles? Já tinha minha responsabilidade como filha mesmo!

Só muitos anos depois eu vim a entender o que ele dizia. Acabei voltando para São Paulo pouco depois desta conversa, atendendo a um insistente pedido de meu pai que necessitava da minha ajuda em alguns problemas familiares. E, por mais que eu tentasse me engajar em qualquer outro grupo ou tarefa, nada dava certo durante os primeiros anos que voltei.

Nem poderia. Ele estava certo. A tarefa que eu tinha a executar junto aos meus pais naquela época era bem maior do que poderia sonhar. Foram anos difíceis, de muita luta e muitos problemas familiares para serem resolvidos. A morte súbita de meu pai, os problemas e brigas familiares relacionados à divisão de herança, as dificuldades financeiras e as crises emocionais relacionadas a tudo isso, causaram grandes desequilíbrios.

Enfim, entendi o porquê daquele ano tão intensamente vivido em Uberaba. Tinha sido uma benção de Deus. Foi um ano de preparo árduo, sem que eu me desse conta, é claro, para o que viria depois. Atualmente compreendo que se não tivesse sido tão bem preparada naquela época, não teria conseguido passar pelas situações que tive que enfrentar depois.

É claro que não poderia estar engajada em nenhuma outra tarefa, a não ser a da minha própria família. Toda minha energia e atenção tinha que estar voltada para a família.

Demorei, mas a minha compreensão hoje é diferente.

Muitas vezes ficamos procurando outras pessoas para ajudar, quando não conseguimos dar conta nem da nossa tarefa maior, que é a nossa família. Esquecemos que nossos primeiros laços de responsabilidade são junto aos nossos familiares.

De que adianta sair por aí fazendo caridade a estranhos, quando não conseguimos oferecer nem o mínimo necessário àqueles que convivem conosco diariamente? Que adianta todos os sacrifícios para levar alimentos, roupas ou brinquedos até pessoas que não conhecemos e que moram a quilômetros de nossa casa, se não conseguimos ter uma palavra de carinho e tolerância para aqueles que estão ao nosso lado todos os dias? Que caridade hipócrita é essa? Para estranhos, o melhor de nós mesmos, para os nossos, nada?

Depois de alguns anos, com os problemas resolvidos, ou pelo menos bem encaminhados, consegui voltar às tarefas junto a diferentes grupos. Entendi que tudo tem a hora certa. Se não estamos conseguindo realizar nenhum trabalho voluntário, nos engajarmos em um grupo, é porque devemos analisar melhor a situação a nossa volta primeiro. Será que não tenho uma outra tarefa maior a realizar junto aos meus primeiro? Será que estou dando conta dos afilhados que Deus já me deu, antes de pedir por novos?

De meu ponto de vista, trabalho voluntário significa estar pronto para ajudar onde somos necessários. Mesmo que seja dentro do nosso próprio quarto. Mais importante do que realizar muitas tarefas em benefício de muitas pessoas, pode ser realizar uma única tarefa, em benefício de uma única pessoa. Mas realizar bem, de todo coração e alma.

Mônica Toledo

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